A SOCIOLOGIA DA HONESTIDADE DE FHC
Apesar do abafamento da mídia, denúncia de propina de R$1 bilhão trouxe à tona os mecanismos de organização da corrupção da era tucana.
Na última segunda-feira, veio a público a outra parte de um depoimento prestado pelo ex-diretor Internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, à Procuradoria-Geral da República, em outubro de 2015. Desta vez, o que vazou foi a afirmação de que a negociação da Perez Compancq, empresa argentina adquirida pela Petrobras em 2002, “envolveu uma propina ao Governo FHC de US$ 100 milhões” (R$ 1 bilhão em valor corrigido). Ele disse, também, que cada diretor da empresa argentina havia recebido “US$ 1 milhão como prêmio pela venda da empresa e Oscar Vicente, [que seria diretor da estatal na Argentina, muito próximo de Menem] US$ 6 milhões.
A operação teve ampla cobertura da mídia na época. Em 23.07.2002, a Folha de São Paulo, por exemplo, publicava em seu caderno Mercado a chamada “Petrobras paga US$ 1,125 bi por argentina”, informando o fechamento do acordo de compra. E destacava a dívida de US$ 1,9 bi da Pecom Energia, afirmando que a operação só seria formalizada após a sua reestruturação. O acordo seria fechado, em outubro, com um desconto no preço. Quanto?
Exatos US$ 100 milhões.
O feito foi comemorado pelo bravo jornalismo investigativo da família Frias. Folha de SP /18.10.2002: ‘Petrobras paga menos pela Pecom’, trecho: “a Petrobras conseguiu reduzir em quase US$ 100 milhões o preço para a compra de 58,6% das ações da Pecom Energia, a segunda maior empresa do setor petrolífero da Argentina.
Ao o acordo de compra preliminar, em julho, a Petrobras devia pagar US$ 1,125 bilhão pelo controle da Pecom. No entanto, o valor foi reduzido para US$ 1,027 bilhão, segundo contrato definitivo ontem”.
‘O presidente da Petrobras, Francisco Gros’, seguia o texto do diário vigilante, disse que o desconto obtido não reflete “a alta do dólar no Brasil – que encareceu o negócio – mas os resultados da auditoria ‘mais profunda’ realizada nos últimos três meses para avaliar o valor da Pecom’.
Ao responder às acusações de Cerveró nesta semana, FHC disse que “afirmações vagas como essa”, que se referem “genericamente” ao período de um ex-presidente já falecido da Petrobras, “sem especificar pessoas envolvidas, servem apenas para confundir e não trazem elementos que permitam verificação’, pontificou o tucano, como costuma fazer sempre que a Lava Jato comete alguma dissonância no monólogo antipetista.
Vejamos.
Conduta imprópria?
Em “A corrupção do PSDB não pode ser abafada”, de 12.01.2016, o militante social Jeferson Miola destaca que essa nova denúncia foi desvendada de maneira acidental: “a descoberta só foi possível porque uma cópia do depoimento de Cerveró ao MP, que teoricamente seria protegido por segredo de justiça, foi encontrada junto com papéis apreendidos no escritório do senador Delcídio Amaral”.
Na mesma delação, em outubro, ele aponta que apenas vazaram acusações contra o governo Dilma. Vale lembrar que à época, o ex-presidente FHC atiçava o bordão do Fora Dilma, bradando nos meios de comunicação: “a força do impeachment vem da rua, e não do Congresso”.
Em dezembro ado, quando Cerveró afirmou que o senador Delcídio do Amaral (PT-MS), ex-diretor da Petrobras nos anos FHC, tinha recebido uma propina de R$ 10 milhões, entre 1999/2001, da Alstom – empresa favorita dos tucanos paulistas, envolvida em lambanças no metrô -, FHC optou por estabelecer uma diferença entre “corrupção organizada” e “conduta imprópria”.
Claro, malfeitos do PT serão sempre sistêmicos na sociologia da honestidade do ex-presidente; os dos tucanos, por definição, ordinariamente pontuais.
Caso da conduta de Sérgio Guerra, falecido ex-presidente da legenda, por acaso?
O tropeço, pontual, de Guerra, da ordem de R$ 10 milhões, foi revelado por outro delator, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa. Segundo afirmou Costa, a dinheirama correspondeu ao cala boca cobrado por Guerra para encerrar a I da Petrobras, aberta em julho de 2009.
Um ato impensado individual?
Em termos: Guerra teria afirmado ao ex-diretor da estatal que usaria o dinheiro para a campanha de 2010.
Corrupção organizada
No esforço de elucidar melhor a complexa sociologia da honestidade desenvolvida por FHC, ou “conduta imprópria”, seguem-se alguns dos maiores escândalos registrados sob a sua presidência, ademais de breve compilação de ‘desvios de rota’ observados em governos tucanos, a envolver casos de superfaturamento de contratos, propinas, evasão de divisas, proteção descarada ao sistema financeiro… Certamente, não há aqui a pretensão de esgotar um assunto tão virgem, ainda à espera de um espaço na unifocal agenda do operoso juiz Sergio Moro. Vejamos:
Trensalão e Caso Alstom. O Trensalão envolve um bilionário esquema de contratos superfaturados e pagamento de propinas de multinacionais – Alstom e Siemens à frente – para ‘operar’ licitações no setor de transporte sobre trilhos. Em São Paulo, palco da maioria dos contratos superfaturados, o esquema teria envolvido, ao longo de uma década (1998-2008), integrantes dos governos Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra. A denúncia veio à tona em 2013, na Suíça. A alemã Siemens fez, então, um acordo com o Conselho istrativo de Defesa Econômica (Cade), delatando o que sabia, em troca de imunidade civil e criminal. Estima-se que juntas, Siemens e Alstom tenham faturado R$ 12,6 bilhões em contratos.
Outro escândalo incluído na rubrica ‘Caso Alstom’ apareceu em 2008. Autoridades suíças denunciaram o pagamento de propina da multinacional sa à Eletropaulo, a estatal de energia comandada pelo tucanato paulista há mais de duas décadas. Segundo o Ministério Público da Suíça, entre 1998 e 2001, pelo menos 34 milhões de francos ses teriam sido pagos em subornos a autoridades dos governos tucanos através de empresas offshore, criadas em paraísos fiscais.
Mensalão tucano. Em 2007, o Ministério Público denunciou um esquema de desvio de R$ 3,5 milhões (R$ 14 milhões corrigidos) de empresas públicas mineiras, ocorrido em 1998, para favorecer a reeleição de Eduardo Azeredo, então governador de Minas Gerais. Entre os envolvidos no financiamento irregular, além do ex-governador, estão os publicitários Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz. Há suspeitas, aguardando investigações operosas, que o valor seja superior ao indicado. Empresas públicas, como a CEMIG, por exemplo, ficaram de fora da denúncia que amargou oito anos no limbo. Em dezembro de 2015, a Justiça de Minas Gerais condenou Azeredo a 20 anos e 10 meses de prisão pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro. A decisão foi em primeira instância. Cabe recurso. Mesmo condenado Azeredo continua exercendo cargo na Fiemg como informa o Estadão de 19.12.2015.
Caso Banestado. O escândalo do Banestado (Banco do Estado do Paraná) diz respeito à evasão de divisas do Brasil, na ordem de R$ 150 bilhões, para paraísos fiscais, entre 1996 e 2002. Em 2003, chegou a ser instalada a MI do Banestado que, em seu relatório final, pedia o indiciamento de 91 pessoas. Da lista faziam parte doleiros, funcionários do banco, empresários e vários tucanos, como o ex-presidente do Banco Central do governo FHC, Gustavo Franco e o ex-diretor do Banco do Brasil, amigo do peito de José Serra, o impoluto quadro tucano, Ricardo Sérgio de Oliveira. Em reportagem onde detalha o caso, Governo recupera R$ 2,2 mi dos R$ 124 bi desviados via Banestado – a jornalista Najla os, de Carta Maior, em 04.09.2012, destaca que as ações contra responsáveis pelo sistema fraudulento encontram-se esparsas, em diferentes varas da justiça brasileira, a maioria sob segredo de justiça. Somente no Governo Lula, aponta Najla, o Brasil ou a contar com dispositivos para combater a prática de evasão de divisas.
Farra das Privatizações. Os escândalos que envolveram as privatizações na era FHC estão documentados em dois trabalhos de fôlego: O Brasil Privatizado de Aloysio Biondi e A Privataria Tucana de Amaury Ribeiro Jr. Ambos detalham irregularidades e bastidores da venda a preço de banana do patrimônio público nacional. Em 2011, Ribeiro Júnior trazia, inclusive, indícios de corrupção envolvendo membros do governo FHC, com vasta documentação sobre movimentação financeira e lavagem de dinheiro por meio de offshores no Caribe.
Em 1999, no calor da hora, Biondi sintetizava o processo de privatização já na introdução do seu livro: “o governo financia a compra no leilão, vende ´moedas podres´ a longo prazo e ainda financia os investimentos que os ‘compradores’ precisam fazer. E, para aumentar os lucros dos futuros ‘compradores’, o governo ‘engole’ dívidas bilionárias demite funcionários, investe maciçamente e até aumenta tarifas e preços antes da privatização”. Vários escândalos envolveram as privatizações, como veremos a seguir.
Grampos no BNDES. Às vésperas da privatização do Sistema Telebrás, em novembro de 1998, Elio Gaspari denunciava a existência de grampos no BNDES. Uma gravação vazada pela Folha, em 25.05.1999, trazia Mendonça de Barros, então ministro das Comunicações, e André Lara Resende, presidente do BNDES na época, articulando o apoio da Previ (fundo de pensão dos funcionários do BB) em benefício do consórcio do Banco Opportunity. FHC, inclusive, entrava na conversa, autorizando o uso do seu nome para pressionar o fundo. Já na privatização da Telemar (uma das empresas da Telebrás), surgiu a denúncia da cobrança de R$ 90 milhões, por parte de (de novo, o amigo do peito de Serra, pau para toda obra tucana), Ricardo Sérgio de Oliveira. Ex-diretor do Banco do Brasil, ele foi peça chave nas privatizações que envolveram a Previ (fundo de pensão dos funcionários do BB), atuando na montagem de consórcios. Ao acompanhar a movimentação financeira de empresas do ex-diretor do BB e do empresário Carlos Jereissati – à frente do consórcio vitorioso –
